terça-feira, 8 de janeiro de 2019

As Sombras


As Sombras


O sono era conturbado. Mexia-se na cama, retorcendo os lençóis, gemeu assustado, transpirava. Por um momento, encolheu-se como se algo estive diante de si, oferecendo-lhe um grande perigo. De repente, viu-se sentado em uma cadeira, as mãos sobre o colo. Estava escuro, e a única luz vinha de uma janela à sua frente, cuja vidraça estava quebrada.
Era um salão enorme, e o silêncio era aterrador. Sentiu um calafrio ao ver vir da esquerda uma sombra. Mas não conseguia ver onde estava a pessoa que a projetava. Era como se a sombra fosse viva por si só, e sua existência não necessitasse de alguém.
— Lembra-se de mim? — uma voz ecoou no salão, e ele sabia vir da sombra, mas não respondeu. Não sabia o que precisava lembrar. Não ainda. Outras duas sombras surgiram. Uma veio da direita, e a outra estava atrás dele, pois pôde vê-la no chão diante da cadeira, e esta acenou para ele.
— E de mim, você lembra? — pergunta a que estava atrás dele.
Tentou virar-se, mas não conseguiu. Era como se algo lhe travasse o corpo.
Inúmeras sombras começaram a surgir, vindas de todos os lados, e todas traziam consigo a mesma pergunta: “Lembra-se de mim?”.
Ele não sabia ao certo do que deveria se lembrar ou o que cada uma daquelas sombras, que começaram a surgir aos montes, era de fato. Cercado por elas, sentiu-se em um julgamento. A cabeça latejava, e a dor intensificou quando as sombras começaram a dizer, todas ao mesmo tempo, coisas desconexas, e era como se não fossem elas que as diziam, mas sim ele. Levou as mãos às orelhas, na tentativa de se livrar do som daquelas vozes e debruçou-se sobre o próprio colo. Chorou de agonia e dor.
Instantes depois, o silêncio reinou. Era como se ele houvesse tomado um forte analgésico para uma dor intensa, que aos poucos foi cedendo até sumir por completo. Erguei a cabeça, mas não ousou abrir os olhos. Manteve-os fechados por longo tempo. Quando teve coragem de abri-los, deparou-se com dezenas de sombras, uma ao lado da outra, feito soldados. Mesmo sem poder enxergar os olhos delas, sabia que elas o encaravam, oprimiam-no, faziam parte dele de alguma forma.
— Perdão! — foi a única coisa que conseguiu dizer dessa vez. Algo dentro dele, direcionava-o exatamente para o ponto para onde deveria seguir. — Perdão. Eu… eu não…
 — Sim, você quis dizer! — as sombras proferiam em uníssono. — E estamos aqui para lembrá-lo disso.
— Por que sabia que ia ofender, mas não… não era o que eu pensava.
— Mas disse — a voz era uníssona —, e estamos aqui pra te lembrar do nosso poder devastador sobre você e sobre quem nos ouviu.
Ele se remexeu na cama. Algo o fazia ter a noção de que tudo era um pesadelo monstruoso, do qual queria acordar, mas por algum motivo alheio ao seu entendimento, não conseguia. Chorou encolhido feito um feto, puxando o lençol como se pudesse proteger-se com ele do medo e do arrependimento e, sobretudo, das consequências ruins que seus atos lhe trouxeram, mas era tudo em vão: o pesadelo não o deixava sair.
— Perdão! — insistiu. — Por favor!
Por longo tempo, ele só pode ouvir o som do próprio choro. Abaixou novamente a cabeça sentindo-se impotente diante daquelas sombras. Quis dormir dentro do próprio pesadelo e nunca mais acordar. Sons de passos ecoaram no salão. Ele ergueu o olhar. As sombras, uma a uma, foram abrindo caminho. O som dos passos foi ficando cada vez mais próximo. Enfim, ele pôde ver a silhueta de uma pessoa, e não era uma sombra. Havia cores em suas vestes. Era uma mulher, e ela veio até diante dele, as sombras abrindo caminho sempre. A mulher se abaixou diante do homem e o olhou nos olhos. Ele chorava. Ela o encarou por longo tempo sem dizer palavra.
— Me perdoa!  — pediu ele, rompendo o silêncio com um timbre de voz fraco, triste.
Ela no momento nada disse.
— Por favor…! — insistiu ele.
Ela segurou-lhe as mãos nas suas sem desviar o olhar, e sem dizer palavra. Ficou de pé e o fez fazer o mesmo. Dessa vez, ele conseguiu levantar-se. Ela continuou a olhá-lo nos olhos. Ele crispou os lábios, não havia mais o que dizer. Só queria sair do pesadelo. Ela se aproximou mais e o abraçou. Nesse momento, todas as sombras, uma a uma, começaram a sair do salão. A escuridão, aos poucos, foi dando lugar à claridade. A luz se sobrepôs às trevas e, no abraço, ele sentiu-se perdoado.





6 comentários :

  1. O poder do perdao faz as sombras da alma(emoçoes,intelecto,desejos,pensamentos,sentimentos etc) sumirem e apavora as sombras espirituais das regioes das trevas
    Pois as sombras sabem que quando se perdoa o proximo e a si mesmo,o PAI das luzes vem ao encontro e ao abrir o coraçao pra ELE as trevas se dissipa
    Pois perdoar é obra da luz e a sombra nao subsiste na luz

    Esses pequenos textos sao interessantes
    Muito bom

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    1. Grato, meu querido, por comentar. Bem isso mesmo! Saber perdoar é divino, e saber perdoar a si próprio é algo inexplicável.

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  2. ainda bem que ele tinha alguém para abraçar..imagine só..o que teria acontecido..Belo texto!

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