A Vida Continua
OS POMBOS VOARAM assustados do campanário da Catedral. O sino ecoava suas badaladas do meio-dia.
O barulho era estridente. Seria apenas mais um ato que se repetia
cotidianamente, não fosse o fato de estar no alto do campanário um homem.
Uma criança
apontou para cima, por estranhar. Tudo passava despercebido dos olhos
apressados de todos. A correria da cidade era igual a todos os dias. As pessoas
cruzavam os seus olhares feito um vento que é cortado por um poste. A frieza
era total. No entanto, um fato estranho pararia tudo, nem que fosse por um
instante.
O dedo do
garoto acompanhou a queda do homem. O barulho abafado do corpo ao tocar o chão
coincidiu com uma badalada do sino como se fosse apenas mais um som de algum
instrumento musical que acabara de iniciar o seu compasso, que morreu na
primeira nota, enquanto o sino continuava com suas badaladas, dando sequência à
balada da vida, em sua sina de morte.
Todos correram
em direção à escadaria, mas isso só aconteceu instantes depois de o susto ter-se
dissipado de seus olhos hirtos.
— Ele se
jogou?!
Era essa a
pergunta que os estranhos se faziam um aos outros como se quisessem iniciar uma
conversa de velhos conhecidos que havia anos não se viam, mas nada os tirava da
linha reta e firme de seus cotidianos engessados de afazeres repetidos à exaustão
de forma automática, impedindo-os a proferir um simples bom-dia.
Aos poucos, o
local estava repleto de curiosos que outrora estavam atrasados, mas que nesse momento
tinham tempo para pôr a notícia em dia. O sereno que enfeitava o dia tornou-se,
de repente, uma chuva intensa, formando uma parede quase sólida entre a vida e
a correria diária. Raios rasgaram o céu, sequenciados de estrondosos trovões.
— Meu Deus, é
um padre! Era a voz de alguém que parecia ter percebido o que realmente estava
acontecendo.
— Ele se
matou? — era a voz de outro.
Tudo era feito
uma peça teatral, com a exata diferença de que as cortinas não separavam os
atos. Tudo era visto numa sequência ilógica, irreal e estranhamente macabra.
A escadaria
começou a ficar rosada com sangue que era varrido pela chuva. Aos poucos, todos
se foram, saíram com seus bons-dias
presos na garganta.
O jornal do
dia seguinte, ainda que atrasado, seria bem mais preciso que perguntas de
estranhos que se temem.