A Ponte
Num sábado à noite,
por mensagens de celular, o casal havia combinado de ir junto à Paranapiacaba
no dia seguinte. O local de encontro era a estação Brás de trem. Ele
estava mais ansioso para ver a namorada, que havia dito que colocou o vestido
da filha de dez anos do que propriamente conhecer a vila de
Paranapiacaba. Como pode?, pensou ele. Adorava vê-la bem vestida e
explorando sua beleza, pois sempre ficava sensual sem ser fugar.
“Mas coube?”, foi a
pergunta dele via WhatsApp.
“Sim sim”, ela
respondeu e colocou um emoji com carinha vermelha de vergonha.
Ela avisou que chegou
primeiro. Ele chegou minutos depois e a procurou ansioso. Ao encontrá-la, viu-a
num vestido justinho azul marinho de tecido fino, usava uma botinha e carregava
na mão um casaquinho por precaução. Achou-a muito meiga no vestido, um
misto de mulher e menina, de sensualidade e delicadeza. Cumprimentaram-se como
de habito com um beijo e um abraço. Ele nunca disse isso a ela, mas sempre
achou que o abraço era importante, pois para ele esse contato demonstrava muito
afeto e os mantinha unidos durante o dia, mesmo que não se vissem mais.
Pegaram o trem para
Rio Grande da Serra e só desceriam na estação terminal. A viagem era longa.
Conversaram durante o trajeto. A cada estação, a quantidade de passageiros ia
diminuindo. O dia que estava ensolarado, conforme seguiam viagem, foi dando lugar
a uma neblina. Por fim, chegaram à estação terminal. A temperatura estava muito
baixa e sentiram frio. Riram de si mesmos por isso. Passaram num mercadinho e
compraram algumas coisas para ir comendo, pois ainda pegariam um ônibus até o
destino. No ponto, enquanto aguardavam o transporte chegar, ela o abraçou para
fugir do frio, pesando certamente que o vestido não havia sido um boa ideia.
Minutos depois, já
estavam no coletivo e, quanto mais se aproximavam do local de passeio, mas a
serração dominava o ambiente formando uma manta diáfana ao redor a ponto de
tornar difícil ver a paisagem. Quando desceram do ônibus, o frio os
recebeu de braços abertos. Garoava.
— Ai, meu Deus, que
frio é esse? — reclamou ela.
Abraçados, desceram
para a vila. Ruas muito íngremes, revestidas de paralelepípedo, tornavam o piso
liso, portanto todo o cuidado para não escorregar era pouco. Seguiram para a
parte baixa da cidade. Havia uma ponte. Pararam por um instante para ficar
olhando. A visão era incrível. No entanto, não era possível enxergar nada que
não estivesse a menos de três metros de distância. De mãos dadas, seguiram pela
ponte, mas ele, por ter medo de altura, parou e voltou. Ela seguiu só até o
outro lado. Ele aproveitou para tirar fotos da ponte, que achou espetacular sob
aquela neblina.
Minutos depois, o
celular dele tocou. Era a namorada do outro lado.
— Vem pra cá, aqui
tem uns barzinhos e música ao vivo, muito legal!
— Não vou atravessar
essa ponte, mas nem pagando!
— Por favor, confia,
é seguro. A ponte é pequena.
Ele ficou em
silêncio, o coração disparou só de pensar em seguir por aquela ponte.
— Vem!, aqui do outro
lado é legal, me parece a parte em que as pessoas curtem mais… Tem muita gente
aqui!
— Vou tentar aqui.
Desligaram. Ela ficou
à espera; ele fixou o olhar no meio da ponte, como se conseguisse só com o
olhar saber exatamente o centro dela, a medida precisa entre o lado esquerdo e
o direito, e começou a caminhar. Após andar um bom pedaço, deparou-se com uma
bifurcação à esquerda. Parou, o coração zunia de medo. Retirou o celular e
ligou para a namorada. Ela atendeu logo após o segundo toque.
— Eu viro à esquerda
aqui ou sigo direto? — perguntou ele, emendando uma palavra à outra de tão
eufórico que estava.
— Vem aqui, é legal —
disse ela, como se não houvesse ouvido o que ele perguntou.
— Só me diz se vou
direto ou pego esse trecho à esquerda.
— Pode vir, então…
— Ai meu Deus, diz
logo se vou direto ou viro aqui…
— Direto, direto —
por fim ela respondeu.
Ele acelerou os
passou e seguiu. Logo avistou a declinação da ponte à direita e o coração
aquietou um pouco. Quando chegou ao outro lado, ligou para a namorada novamente
e, assim que começou a chamar, deu de cara com ela; nem precisou esperar que
atendesse.
— Eba, que bom que
conseguiu! — exclamou ela, tocando-lhe o braço. — Nossa você está
tremendo!
— Altura já me dá
medo, com neblina então, que não veja nada à frente… E você não falava o
caminho de uma vez.
— Eu não tava ouvindo
direito, olha o barulho aqui! Mas tá bom, você tá aqui.
— Pois é, você me
encorajou — disse ele, e riu. — Espero um dia poder encorajar você assim a
enfrentar um medo e arriscar…
— Como assim?
— Olha esse lado de
baixo da vila — disse ele, olhando ao redor. — Mesmo com neblina é fantástico.
E se você não tivesse insistido e me convencido, eu nunca iria conhecer isso.
— Ainda não estou
entendendo.
Ele beijou-lhe o
rosto.
— Não precisa
entender, só não sabemos o dia de amanhã, e o medo que teremos de certas
coisas, mas acho que o importante é confiar…
— Tá bom, então,
vamos procurar um lugar pra comer e sair desse frio, tô congelando.
— Também com o
vestido da filha…
Ambos riram e
seguiram caminho abraçado lateralmente, sob a garoa e a neblina de
Paranapiacaba.
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