segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

A Ponte



A Ponte


Num sábado à noite, por mensagens de celular, o casal havia combinado de ir junto à Paranapiacaba no dia seguinte. O local de encontro era a estação Brás de trem.  Ele estava mais ansioso para ver a namorada, que havia dito que colocou o vestido da filha de dez anos do que propriamente conhecer a vila de Paranapiacaba. Como pode?, pensou ele. Adorava vê-la bem vestida e explorando sua beleza, pois sempre ficava sensual sem ser fugar.
“Mas coube?”, foi a pergunta dele via WhatsApp.
“Sim sim”, ela respondeu e colocou um emoji com carinha vermelha de vergonha.
Ela avisou que chegou primeiro. Ele chegou minutos depois e a procurou ansioso. Ao encontrá-la, viu-a num vestido justinho azul marinho de tecido fino, usava uma botinha e carregava na mão um casaquinho  por precaução. Achou-a muito meiga no vestido, um misto de mulher e menina, de sensualidade e delicadeza. Cumprimentaram-se como de habito com um beijo e um abraço. Ele nunca disse isso a ela, mas sempre achou que o abraço era importante, pois para ele esse contato demonstrava muito afeto e os mantinha unidos durante o dia, mesmo que não se vissem mais.
Pegaram o trem para Rio Grande da Serra e só desceriam na estação terminal. A viagem era longa. Conversaram durante o trajeto. A cada estação, a quantidade de passageiros ia diminuindo. O dia que estava ensolarado, conforme seguiam viagem, foi dando lugar a uma neblina. Por fim, chegaram à estação terminal. A temperatura estava muito baixa e sentiram frio. Riram de si mesmos por isso. Passaram num mercadinho e compraram algumas coisas para ir comendo, pois ainda pegariam um ônibus até o destino. No ponto, enquanto aguardavam o transporte chegar, ela o abraçou para fugir do frio, pesando certamente que o vestido não havia sido um boa ideia.
Minutos depois, já estavam no coletivo e, quanto mais se aproximavam do local de passeio, mas a serração dominava o ambiente formando uma manta diáfana ao redor a ponto de tornar difícil ver a paisagem. Quando desceram do ônibus,  o frio os recebeu de braços abertos. Garoava.
— Ai, meu Deus, que frio é esse? — reclamou ela.
Abraçados, desceram para a vila. Ruas muito íngremes, revestidas de paralelepípedo, tornavam o piso liso, portanto todo o cuidado para não escorregar era pouco. Seguiram para a parte baixa da cidade. Havia uma ponte. Pararam por um instante para ficar olhando. A visão era incrível. No entanto, não era possível enxergar nada que não estivesse a menos de três metros de distância. De mãos dadas, seguiram pela ponte, mas ele, por ter medo de altura, parou e voltou. Ela seguiu só até o outro lado. Ele aproveitou para tirar fotos da ponte, que achou espetacular sob aquela neblina.
Minutos depois, o celular dele tocou. Era a namorada do outro lado.
— Vem pra cá, aqui tem uns barzinhos e música ao vivo, muito legal!
— Não vou atravessar essa ponte, mas nem pagando!
— Por favor, confia, é seguro.  A ponte é pequena.
Ele ficou em silêncio, o coração disparou só de pensar em seguir por aquela ponte.
— Vem!, aqui do outro lado é legal, me parece a parte em que as pessoas curtem mais… Tem muita gente aqui!
— Vou tentar aqui.
Desligaram. Ela ficou à espera; ele fixou o olhar no meio da ponte, como se conseguisse só com o olhar saber exatamente o centro dela, a medida precisa entre o lado esquerdo e o direito, e começou a caminhar. Após andar um bom pedaço, deparou-se com uma bifurcação à esquerda. Parou, o coração zunia de medo. Retirou o celular e ligou para a namorada. Ela atendeu logo após o segundo toque.
— Eu viro à esquerda aqui ou sigo direto? — perguntou ele, emendando uma palavra à outra de tão eufórico que estava.
— Vem aqui, é legal — disse ela, como se não houvesse ouvido o que ele perguntou.
— Só me diz se vou direto ou pego esse trecho à esquerda.
— Pode vir, então…
— Ai meu Deus, diz logo se vou direto ou viro aqui…
— Direto, direto — por fim ela respondeu.
Ele acelerou os passou e seguiu. Logo avistou a declinação da ponte à direita e o coração aquietou um pouco. Quando chegou ao outro lado, ligou para a namorada novamente e, assim que começou a chamar, deu de cara com ela; nem precisou esperar que atendesse.
— Eba, que bom que conseguiu! — exclamou ela, tocando-lhe o braço. —  Nossa você está tremendo!
— Altura já me dá medo, com neblina então, que não veja nada à frente… E você não falava o caminho de uma vez.
— Eu não tava ouvindo direito, olha o barulho aqui! Mas tá bom, você tá aqui.
— Pois é, você me encorajou — disse ele, e riu. — Espero um dia poder encorajar você assim a enfrentar um medo e arriscar…
— Como assim?
— Olha esse lado de baixo da vila — disse ele, olhando ao redor. — Mesmo com neblina é fantástico. E se você não tivesse insistido e me convencido, eu nunca iria conhecer isso.
— Ainda não estou entendendo.
Ele beijou-lhe o rosto.
— Não precisa entender, só não sabemos o dia de amanhã, e o medo que teremos de certas coisas, mas acho que o importante é confiar…
— Tá bom, então, vamos procurar um lugar pra comer e sair desse frio, tô congelando.
— Também com o vestido da filha…
Ambos riram e seguiram caminho abraçado lateralmente, sob a garoa e a neblina de Paranapiacaba.



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