Raios de sol entravam por uma fresta da janela e iluminavam parte do quarto de Pedro, que acabara de acordar. Mal parecia que uma forte chuva havia caído na noite anterior e se estendido por quase toda a madrugada. Desligou o abajur, que passara a noite toda aceso, e levantou-se, tentando apagar da memória as partículas do sonho que tivera.
Está pegando fogo!, pensou, mas ficou aborrecido só de lembrar que
havia sonhado.
As vagas lembranças
vinham-lhe à cabeça, e a mais clara delas era o fogo.
Já chamaram os bombeiros?, alguém perguntava, aos gritos.
No sonho, havia uma
pessoa gritando fogo, e Pedro saiu de casa para ver o que estava acontecendo.
Já na rua, viu carros do Corpo de Bombeiros passarem com suas sirenes ligadas. Tentou
lembrar-se de mais algum detalhe, mas não conseguiu. Algo na mente não lhe
permitia, feito uma cortina escura que balançava, escondendo o que estava
atrás, no palco, aguçando-lhe a curiosidade.
Durante o café da manhã, ele
estava tão absorto, que Lívia chamou-lhe a atenção. Nesse momento, uma última
lembrança vinha-lhe à mente: era Leandro Maldonha. O velho estava no sonho,
encostado a um portão, o rosto complacente, enquanto apontava na direção do bar
de John.
— Pai? Pai, você está
bem? — perguntou Lívia.
— Hum?! — ele olhou para
filha. — Tudo bem, eu só estava pensando num… num sonho… que tive essa noite.
— Sonho?! Você… pensando
em sonho?!
Pedro deu um sorriso
amarelo; nem ele mesmo acreditava no fato de se distrair pensando em sonhos. Os únicos
sonhos sobre os quais achava útil perder tempo eram os que ele denominava
projetos de vida, e Lívia sabia muito bem disso.
— É aquele pessoal do bar
— comentou ele.
— O que tem?
— Eles ficam falando de
sonhos… Falam tanto que acabam nos deixando impressionados.
Lívia pôs-se de pé.
— Que pessoal? —
perguntou, caminhando para a sala.
— O Afonso e o Marsílio —
Pedro também se levantou e seguiu a filha. — O Viúvo também.
— O quê? — espantou-se
ela. Virou o corpo e ficou olhando para o pai. — O velho Leandro fica com vocês
no bar?
— Às vezes — Pedro passou
pela filha e sentou-se no sofá. — Quero dizer, só nesses últimos dias. Ele é
esquisito. Todo cheio de suspense…
— Disso todo mundo sabe.
— Apesar de tudo, ele
parece ser boa gente. Não parece ser um… sei lá… algum tipo de psicopata.
— Será? — insinuou Lívia,
sentando-se ao lado do pai. — E essa história que o povo conta do desaparecimento da mulher dele?
— Eu nem morava aqui
ainda, Lívia. Acho que nem conhecia a sua mãe na época em que isso aconteceu.
Isso deve ter uns… trinta anos. O povo fala disso desde que eu e sua mãe viemos
morar aqui. Ninguém sabe ao certo o que realmente aconteceu. Há quem diga que
ele passou a usar apenas roupas pretas depois que ela… sumiu. Mas de tudo isso
a gente já sabe, Lívia. Não é nenhuma novidade. Como também não é novidade que
ele é chamado de Viúvo por causa
disso tudo. Quando vim morar aqui, ele já era assunto da vizinhança, e o que sei
sobre ele é só o que comentam por aí.
— E ela nunca apareceu,
não é? E fica um monte de hipótese no ar…
Pedro olhou para a filha
com um olhar questionador, mas nada disse.
— Isso daria um bom tema…
— pensou ela em voz alta.
Pedro levantou-se e foi
até o rack.
— Bom tema pra quê? —
perguntou, enquanto pegava um cartão de banco numa das gavetas.
— Ou uma boa matéria…
Pedro riu, voltando-se
novamente para a filha.
— Depois o doido é o
Maldonha…
— Você está me chamando
de doida?
— Não! Claro que não! ― gracejou
ele, sorrindo. — Eu vou ao banco. Quer ir comigo? De lá a gente vai ao mercado
fazer uma compra.
Lívia pôs-se de pé.
— Espere um pouco… eu só
vou trocar de roupa e dar um jeito nos cabelos — disse, enquanto corria em
direção à escada.
— Espero por você lá no
carro — alertou e, quase gritando para que ela pudesse ouvi-lo, continuou: —
Não se esqueça de fechar a porta quando sair!
No supermercado, Lívia não
perdia a oportunidade de atacar a seção de chocolates. Pegava os seus preferidos
e sorria para o pai, na intenção de comprar dele uma indulgência. Pedro apenas
balançava a cabeça, como se quisesse dizer: “Tome cuidado, senão vai
engordar!”.
No
caminho de volta, ele passou no Texas e acertou com John o que havia gastado na
noite anterior, e seguiram para casa em seguida.
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