sexta-feira, 5 de maio de 2017

Capítulo 5 - O Mistério do Viúvo Maldonha


Quando o relógio bateu três horas da tarde do dia seguinte, Lívia e o pai saíram de carro. Ao chegarem ao shopping, ainda não sabiam a qual filme assistiriam. Estavam indecisos entre uma comédia, preferência de Pedro, e um suspense, opção defendida por Lívia. Mas não escolheram nem um nem outro. Resolveram assistir a um filme de ação, com muita pancadaria e perseguição nas avenidas de Nova Iorque.
Ao final da sessão, Pedro e Lívia saíram contentes da sala do cinema, pois o filme havia sido bom. Como ainda era cedo, comeram alguma coisa e depois tomaram um sorvete. Ficaram por um bom tempo passeando pelo shopping; entravam nas lojas, olhavam e depois saíam delas sem comprar uma única peça de roupa. Minutos depois, decidiram voltar para casa. Antes, Pedro comprou outro sorvete para a filha.
No caminho de volta, comentaram o filme como se fossem dois críticos da sétima arte. Gostaram do programa, principalmente Pedro, que não saía para se divertir havia muito tempo, ainda mais com a filha. Estava devendo isso a ela, mas bem sabia que devia isso a si mesmo; tinha de se divertir e se divertiu, pois a filha era sempre uma ótima companhia.
Quando chegaram a casa, já passava das oito horas da noite. Pedro ainda tinha estômago para comer mais. Foi à geladeira e ficou por alguns segundos olhando o que havia para poder fazer sua escolha. Pegou um pedaço de lasanha que estava guardado ali havia dias e colocou-o para aquecer no aparelho de micro-ondas. Comeu como se não comesse havia horas.
Enquanto isso, Lívia conversava com a mãe pelo telefone. Havia telefonado na parte da manhã, mas queria dizer outro alô e avisar que já estava em casa. Por coincidência, desligou o telefone assim que o pai chegou à sala.
— Quem era? — perguntou ele.
— Estava falando com minha mãe. O que você vai fazer agora?
Pedro sentou-se no sofá.
— Eu não sei. Você se incomodaria se eu desse uma saída?
Lívia ficou quieta, pensativa; sabia aonde o pai iria. Olhou-o com seus belos olhos verdes e fez uma cara de reprovação.
— Você vai ao Texas, não é? — perguntou ela, sentando-se.
— Se isso incomodar você…
— Não, pai — disse ela, arrependida da reprovação facial que fizera. — Só não vá beber muito, hein?!
— Pode deixar, patroa — disse ele ao ficar de pé.
Sorrindo, Lívia também se levantou.
— Eu vou aproveitar pra ler alguma coisa, ou estudar um pouco pra variar.
Antes de sair, Pedro penteou os cabelos para retirar o gel que a filha o fizera passar antes de irem ao cinema. Ele preferia deixá-los ao natural, penteados ao meio; os fios eram castanho-escuros e mantinha-os um pouco compridos, o que lhe dava um ar jovial. Olhou-se mais uma vez no espelho do banheiro e saiu para pegar uma jaqueta no guarda-roupa, pois a temperatura havia caído um pouco. Em seguida, desceu para a sala, onde, ao chegar, deu um beijo no rosto da filha, dizendo que não demoraria a voltar.
Assim que o pai saiu, Lívia foi para o quarto, atirou-se na cama e pegou um livro sobre a cabeceira — Contágio Criminoso, de Patrícia D. Cornwell. Gostava muito de ler, e lia de tudo um pouco, ainda mais quando havia na história uma pitada de suspense. Sua preferência, tanto para livros quanto para filmes, era voltada para esse gênero, em especial aqueles com algum tipo de assassino em série e muita investigação policial. Quando estava na fila do cinema, alguns anúncios de filmes lhe haviam chamado a atenção, mas sabia que o pai não assistiria a nenhum deles, portanto nada comentou.
Desde que havia iniciado a faculdade de Jornalismo, passou a alimentar a ideia de escrever um livro. Ela, que já gostava de ler, começou a ler com mais frequência. Lia desde os clássicos como Machado de Assis aos extensos livros de Stephen King. Gostava muito também de Agatha Christie e Edgar Allan Poe. A pesquisa era bastante intensa. Buscava dicas na Internet, conversava com professores de literatura, tentava encontrar o seu estilo, mas o principal ela não conseguia: uma história interessante para contar. Por esse motivo, adiava sempre o seu projeto.
Depois de alguns instantes, já estava tão compenetrada na leitura que mal escutou o telefone tocar. Tirou os olhos do livro e ficou parada, esperando-o tocar mais uma vez, mas ele não tocou. Resolveu voltar à leitura e já estava quase mergulhando nas letras quando o telefone tornou a tocar. Marcou a página na qual estava, jogou o livro sobre a cama e desceu a escada correndo.
— Alô? — atendeu ela, arfante.
— Alô, Lívia — respondeu uma voz masculina do outro lado. — É o Roberto.
Lívia ficou sem saber o que dizer. Roberto era um colega de sala na faculdade. Na noite anterior, ele a havia convidado para sair, e ela ficou de ligar no dia seguinte para dar a resposta, mas esqueceu-se do combinado. Talvez o entusiasmo que sentiu ao combinar de sair com o pai tenha bloqueado a lembrança do convite feito pelo colega, que era um cara legal, bonito também, mas tinha uma ex-namorada que não desgrudava dele, e isso deixava Lívia com um quê de alerta. Ela havia prometido a si mesma não se envolver em outro relacionamento até terminar a faculdade, mas no caso desse rapaz abriria uma exceção, pois havia tempos que o olhava com outros olhos, embora o fato de ele ter saído de um relacionamento recentemente deixá-la com receio, na retaguarda.
— Oi, Beto — respondeu ela, envergonhada.
— Você ficou de me ligar e… — disse ele, num tom de decepção que, mesmo tentando, não conseguia disfarçar.
Sem saber o que dizer, Lívia mordeu a parte inferior dos lábios.
— Então, Lívia?… — insistiu ele.
— Desculpe, Beto, eu… eu…
Esqueci, foi o que ela pensou e era isso o que queria e deveria dizer, mas era a única palavra no momento que parecia não querer ser articulada, pois esquecer o convite de alguém não era um feito para uma pessoa se orgulhar. Disso ela sabia muito bem, porém havia esquecido, e isso não podia ser mudado.
— Bem, Lívia — disse ele, ainda tentando esconder a decepção que sentia —, se você não queria sair comigo era só dizer. Não precisava me deixar esperando o dia inteiro por um telefonema. Além disso, eu passei o dia ligando pra você, mas ninguém atendia.
— Olhe, Beto, eu…
— Tudo bem, Lívia, eu compreendo.
— Compreende?… — ela estava confusa, não sabia bem o que Roberto compreendia.
— É por causa da Rebeca, não é? Eu sei que você acha que nós ainda…
— Olhe, não tem nada a ver! — interferiu ela, e passou os cabelos encaracolados e escuros, que batiam quase no meio das costas, para o lado do ombro direito, usando a mão destra por detrás da nuca para fazer isso. — Eu sei que essa sua relação com a Rebeca não é uma das mais comuns que já vi, mas… fazer o quê?
— Eu já disse que a Rebeca e eu não temos mais nada e…
— Eu sei! Mas é muito difícil acreditar. Vira e mexe, ela procura você.
Roberto riu, um riso curto de uma única nota.
— Você disse tudo: ela é quem vem me procurar.
— Vai dizer que você não gosta?
— Você está com ciúme? — a pergunta veio com um leve tom de brincadeira e acertou em cheio os tímpanos de Lívia.
— Olhe, esqueça isso — pediu ela, encabulada, e era uma pena que Roberto não pudesse ver através da linha telefônica como Lívia ficava uma graça com as maçãs do rosto enrubescidas. — Eu vou ser sincera com você.
— É o que realmente espero.
— Ontem à noite, conversando com o meu pai, eu… nós combinamos de sair juntos, entende?
— Entendo! Claro que entendo. Como não entenderia? Ele é seu pai. O que não entendo é o fato de você não ter ligado pra mim, como havíamos combinado.
— Eu me empolguei e me esqueci de você — disse por fim a palavra que temia dizer —, mas prometo que…
— Sem promessas, por favor! — interferiu o rapaz, tom de voz firme, pois como Lívia havia imaginado, a palavra esqueci não era uma das melhores para a ocasião. — Depois a gente conversa, ok?
— Tudo bem — concordou ela, chateada. — Depois a gente conversa.
— Até, então.
— Droga! — esbravejou ela, ao pôr o telefone no gancho.
Depois de alguns instantes refletindo, levantou-se e foi para o quarto, pensativa.
— Era o que me faltava — disse, voz baixa, enquanto subia a escada. — Eu, ciúme? Agora mais essa!
Ao chegar ao quarto, voltou à leitura, mas não conseguia se concentrar. Chegava ao fim de uma linha e mal sabia o que havia lido na anterior.
Nos últimos dias, Roberto e Lívia passaram a conversar mais. Ela havia notado que os dois tinham muitos gostos em comum. Sempre o achou atraente. Ele tinha vinte e cinco anos, era alto, de pele clara mas bronzeada, os olhos cor de mel eram pequenos e um pouco caídos, tinha o maxilar quadrado e usava os cabelos curtos e arrepiados. O que mais chamou a atenção dela foi o porte atlético do rapaz, um corpo trabalhado na academia, mas nada exagerado. Quando o conheceu, ele ainda namorava Rebeca, que cursava Pedagogia na mesma universidade em que eles estudavam. Com o término do namoro, Lívia passou a falar mais com ele e puxava diversos assuntos para ter um pouco da atenção dele, esquecendo-se, por alguns instantes, da promessa que havia feito a si mesma de não se envolver em outro relacionamento até o término da faculdade. Nunca havia saído com Roberto, mas a vontade que sentia era de poder estar com ele em outro local que não fosse nas dependências da universidade, pois além de achá-lo muito bonito, ele era divertido, uma ótima companhia. Porém ela sabia que obtivera um ponto negativo quando esqueceu o convite que ele lhe fizera.

*  *  *

Enquanto isso, Pedro já estava no Texas. Apenas Álvaro e Afonso estavam lá quando ele chegou e pediu um chope. A conversa não foi muito longa. Nem foi suficiente para Pedro terminar a primeira caneca de chope. Álvaro disse que não podia ficar, que foi apenas para buscar o carro. Dito isso, despediu-se e saiu acompanhado de Afonso.
Maldonha não havia aparecido no bar nesse sábado. Ir ao Texas verificar se ele estaria lá foi o objetivo de Pedro quando saiu de casa, o que contestaria até sob tortura se alguém lhe insinuasse isso. Do pessoal com quem conversa, apenas John estava lá para lhe fazer companhia, mas Pedro preferiu voltar para casa, assim que terminou de tomar o primeiro chope.
No caminho de volta, não queria pensar em Maldonha e na história contada por ele. Toda vez que um pensamento desses vinha-lhe à mente, incontinenti tentava afastá-lo, mas era em vão, a cabeça dele estava repleta de Leandro Maldonha, e isso o incomodava.
Quando chegou a casa, a filha assistia a um programa qualquer na tevê, pois havia desistido da leitura, na qual não conseguiu mais se concentrar depois do telefonema de Roberto.
— Você voltou cedo! — admirou-se ela.
— Não havia ninguém pra conversar — explicou Pedro, enquanto fechava a porta. — Do pessoal que eu converso só estava o John, dono do bar, mas eu preferi voltar pra casa. Assim que cheguei lá, dois colegas meus já estavam de saída.
Depois de deixar as chaves sobre a mesa lateral do sofá, Pedro sentou-se ao lado da filha e, sorrindo, perguntou:
— Posso fazer companhia pra uma princesa?
Lívia sorriu satisfeita, fez um sinal afirmativo com a cabeça e foi mais para o lado, para que o pai pudesse acomodar-se ao lado dela, em frente à tevê.

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