Tudo parecia
acontecer mais uma vez,
como se sua mente buscasse as minúcias do ocorrido. Cada detalhe era caprichosamente
colocado diante de seus olhos feito um ensaio de pré-apresentação. E, sempre ao
abrirem as cortinas, tudo era igualmente macabro, repetindo-se vezes sem conta.
Algo dentro dele dizia-lhe que poderia evitar passar outra vez pela mesma cena,
mas uma força o impulsionava para a frente: o desejo de saber a mensagem
contida naqueles sussurros quase inaudíveis. Então ele caminhou pelo corredor
que dava para a marcenaria do pai. Não poderia saber o que o aguardava, a menos
que já tivesse acontecido outras vezes. A pele transpirava como se todo o
líquido existente no corpo quisesse abandoná-lo. Tremia por saber o que veria ao
cruzar aquela porta. Tentou controlar as pernas, impedi-las de levá-lo adiante,
mas elas pareciam ter vontade própria. O desejo de acordar aumentou ao ver o
pai caído no chão. Correu para socorrê-lo, embora soubesse que seria em vão. Abaixou-se e
amparou-o nos braços. O pai sussurrava, tentava dizer-lhe algo que a morte
levaria consigo.
— O quê…? — a pergunta
misturou-se ao choro. O pai apontou para o fundo do salão, mas não havia nada
lá. — O quê…? Eu não… Eu não consigo entender, pai! O que tem lá? O que quer me
dizer?
Os sussurros continuaram.
Eram arrancos incompreensíveis, como se houvesse um nó nas pregas vocais que
impediam o som de ser produzido.
— Eu não consigo entender
o senhor…
Aproximou-se ainda mais
do rosto do pai na tentativa de entender aquela lamúria precedida da morte. Em vão. Tudo em vão. O
último sinal de vida apagou-se no mesmo instante em que o pai fechou os olhos.
O corpo dele ficou simultaneamente mole e pesado em seus braços. Aflito, olhou
para os lados e tudo parecia girar, girar, girar… Girar como numa espiral
estranha de desespero, medo e algo que ele não sabia explicar.
— Pai! Por favor, pai…! Pai!
— gritou ele, saltando o corpo para a frente. Estava úmido de suor. Tremia. O
ar da realidade entrou-lhe nos pulmões. A cabeça doía intensamente. Olhou para
o lado. A esposa nem sequer acordou com o grito dele, dormia tranquila, e ele
não podia dividir com ela a dor e a angústia que sentia no peito. E mesmo que
ela tivesse acordado com grito, não o
faria, pois os pesadelos e as frustrações eram dele e não queria dividi-los com
ninguém, nem mesmo com a companheira. A filha pequena, de poucos meses,
mexeu-se no berço. Ele levantou-se e certificou-se de que ela também dormia. Acariciou-lhe
o rosto e sorriu com a certeza de que a filha era o seu bem maior. Saiu do quarto
e sentou-se no sofá da sala, pensativo; sabia que passaria essa noite em claro,
como muitas outras semelhantes em que o passado e as lembranças insistiam em atormentá-lo. Era
sempre assim, uma busca angustiante por respostas, e obtê-las parecia algo completamente
ilusório.
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Recomendo. Parabéns pelo livro
ResponderExcluirGrato por ler!
ExcluirMaravilhoso!!! Meus sinceros parabéns!!!
ResponderExcluirMuito obrigado. Cada comentário é motivador!
ExcluirEspero que possa voltar aqui para continuar lendo.