domingo, 9 de abril de 2017

Prólogo - O Mistério do Viúvo Maldonha


Tudo parecia acontecer mais uma vez, como se sua mente buscasse as minúcias do ocorrido. Cada detalhe era caprichosamente colocado diante de seus olhos feito um ensaio de pré-apresentação. E, sempre ao abrirem as cortinas, tudo era igualmente macabro, repetindo-se vezes sem conta. Algo dentro dele dizia-lhe que poderia evitar passar outra vez pela mesma cena, mas uma força o impulsionava para a frente: o desejo de saber a mensagem contida naqueles sussurros quase inaudíveis. Então ele caminhou pelo corredor que dava para a marcenaria do pai. Não poderia saber o que o aguardava, a menos que já tivesse acontecido outras vezes. A pele transpirava como se todo o líquido existente no corpo quisesse abandoná-lo. Tremia por saber o que veria ao cruzar aquela porta. Tentou controlar as pernas, impedi-las de levá-lo adiante, mas elas pareciam ter vontade própria. O desejo de acordar aumentou ao ver o pai caído no chão. Correu para socorrê-lo, embora soubesse que seria em vão. Abaixou-se e amparou-o nos braços. O pai sussurrava, tentava dizer-lhe algo que a morte levaria consigo.
— O quê…? — a pergunta misturou-se ao choro. O pai apontou para o fundo do salão, mas não havia nada lá. — O quê…? Eu não… Eu não consigo entender, pai! O que tem lá? O que quer me dizer?
Os sussurros continuaram. Eram arrancos incompreensíveis, como se houvesse um nó nas pregas vocais que impediam o som de ser produzido.
— Eu não consigo entender o senhor…
Aproximou-se ainda mais do rosto do pai na tentativa de entender aquela lamúria precedida da morte. Em vão. Tudo em vão. O último sinal de vida apagou-se no mesmo instante em que o pai fechou os olhos. O corpo dele ficou simultaneamente mole e pesado em seus braços. Aflito, olhou para os lados e tudo parecia girar, girar, girar… Girar como numa espiral estranha de desespero, medo e algo que ele não sabia explicar. 
— Pai! Por favor, pai…! Pai! — gritou ele, saltando o corpo para a frente. Estava úmido de suor. Tremia. O ar da realidade entrou-lhe nos pulmões. A cabeça doía intensamente. Olhou para o lado. A esposa nem sequer acordou com o grito dele, dormia tranquila, e ele não podia dividir com ela a dor e a angústia que sentia no peito. E mesmo que ela tivesse acordado com  grito, não o faria, pois os pesadelos e as frustrações eram dele e não queria dividi-los com ninguém, nem mesmo com a companheira. A filha pequena, de poucos meses, mexeu-se no berço. Ele levantou-se e certificou-se de que ela também dormia. Acariciou-lhe o rosto e sorriu com a certeza de que a filha era o seu bem maior. Saiu do quarto e sentou-se no sofá da sala, pensativo; sabia que passaria essa noite em claro, como muitas outras semelhantes em que o passado e as lembranças insistiam em atormentá-lo. Era sempre assim, uma busca angustiante por respostas, e obtê-las parecia algo completamente ilusório.

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