Nem uma Palavra
Nem uma palavra.
Era esse o combinado. Ele chegou primeiro, andou por entre as mesas do bar à
procura do melhor lugar, ou daquele lugar em que muitas vezes estiveram juntos.
Sorriu triste com as lembranças. Ao fundo, o músico arrumava o equipamento
para se apresentar. Parou e ficou a olhá-lo, lembrando-se do repertório que embalava seu encontro semanal com ela, que sempre atrasava, mas
o largo sorriso que ela lhe oferecia depois sempre compensava o tempo de espera.
Andou mais um pouco e
enfim sentou-se. Retirou o celular do bolso, pensou em enviar mensagem, mas o combinado
era nem uma palavra, e isso incluía as escritas. Guardou o aparelho após
desligá-lo.
Nem
uma palavra, pensou.
Esperou ser atendido e
pediu uma cerveja. Quando a trouxeram, encheu o copo, bebericou pensando na
mulher que logo viria. Como estaria vestida? E o batom que estaria usando…?
Viria de vestido? Salto? Isso fazia o coração dele disparar.
De onde estava, podia
ver a porta de entrada do estabelecimento. De quando em quando olhava nessa
direção, imaginando-a entrar e olhar ao redor a procura dele.
Bebeu mais da cerveja
e, cerca de quinze minutos depois, pediu um caipirinha.
— Com bastante gelo e
açúcar. De cachaça, tá bom?
— Já trago — disse a
garçonete anotando o pedido, ao que ele concordou com um aceno.
Sempre demoravam a
trazer a bebida, mas a mulher, por quem esperava, demorava mais. Por isso, o
pedido antecipado como sempre fizera.
Minutos depois, a
caipirinha chegou. Ele bebericou para conferir se estava bem doce, e estava. Do
jeito predileto dela!
O músico começou sua
apresentação. Tocou três músicas e nada de ela chegar. Ficou pensativo,
lembrando-se de tudo, das brigas e discussões. Será que ela havia desistido? Por
que não dialogaram? Por que não tentou ser compreensivo em vez de se mostrar
inseguro e, com isso, só denunciar que ela merecia algo melhor do que ele? Com palavras
seria difícil apagar a imagem que ela fizera dele. Era como se ela houvesse
tirado uma fotografia dele em um momento ruim e emoldurado e sempre que
procurava se lembrar dos dois juntos dava de cara com a fotografia e se recordava de como
ele era grosso e agressivo com as palavras quando ficava nervoso.
Sorriu triste e
inconformado ao se lembrar das palavras pesadas que dissera a ela e chorou.
O combinado: nem uma
palavra! Nada.
Enxugou o rosto e olhou
para a rua, o olhar ainda um pouco turvo pelas lágrimas. Ela surgiu na porta.
Parou e olhou à procura dele. Ele não fez sinal algum para chamar-lhe a
atenção, quis contemplar a presença dela a distância. Instantes depois, os
olhares se encontraram. Ela sorriu sem mostrar os dentes. Aproximou-se da mesa.
Usava um vestido justo, salto e uma jaquetinha jeans. Estava linda como sempre,
e a saudade que sentia dela potencializou-lhe a beleza. Ele levantou-se para recebê-la...
Nem uma palavra, esse
era o combinado.
Deram-se as mãos, os
olhos se encontraram e fixaram-se por um instante. Um sorriso em ambos os
rostos. Ele beijou-lhe a face. Olhou-a nos olhos mais uma vez. Nem uma palavra!
Sentaram-se lado a lado. Ela olhou a caipirinha, sorriu mais uma vez. Em
seguida, sorveu um pequeno gole no canudinho e espirrou logo em seguida, duas
vezes. Espirros curtos e baixos. Olhou para ele e riu. Ele riu
também, pois ela sempre espirrava ao beber algo alcoólico.
De olhar em olhar e de
sorriso em sorriso procuravam o amor que sentiam um pelo outro, mas sem palavras, pois estas
já não podiam dizer nada. Ela fechou os olhos quando o homem tocou-lhe o rosto, e ele quis dizer que a
amava, mas o combinado era: nem uma palavra.
Sabe que adorei seu conto,talvez por já ter sentido na pele o que palavras ditas a quente podem ferir,magoar e fazendo arrefecer miita coisa.Adorei visualizar, os risos, os espirros ,o afagar,o olhar e poder ouvir que a amava, mas o acordo não podia haver palavras, Uma volta ao amor reconquistado ,uma maneira de se poder voltar a sonhar.Adorei
ResponderExcluirÀs vezes o silêncio vale mais que um texto inteiro. Difícil um escritor dizer isso, mas é fato.
ExcluirLindo texto! As imagens criadas, o enredo, a espera, lembranças e arrependimentos.
ResponderExcluirÉ incrível como não esquecemos certas palavras... sejam as que ouvimos ou que falamos, seja para o bem ou para o mal.
BIGbeijo,
Aninha das fadas
Eita, viu tudo isso?! Obrigado por comentar! Beijos!
ExcluirEu vi mais do que isso,mas gosto de conversar pessoalmente com o escritor. Privilégio é o nome? BIGbeijo
ResponderExcluirComo sempre consegue criar em mim aquela expectativa que me prende na história. É um texto triste, mas muito delicado. Adorei!
ResponderExcluirSempre bom saber que o que escrevo causa essas sensações nas pessoas. Isso é o que de fato me motiva a escrever. Obrigado por comentar suas sensações e impressões.
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