quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Nem uma Palavra


Nem uma Palavra

Nem uma palavra. Era esse o combinado. Ele chegou primeiro, andou por entre as mesas do bar à procura do melhor lugar, ou daquele lugar em que muitas vezes estiveram juntos. Sorriu triste com as lembranças. Ao fundo, o músico arrumava o equipamento para se apresentar. Parou e ficou a olhá-lo, lembrando-se do repertório que embalava seu encontro semanal com ela, que sempre atrasava, mas o largo sorriso que ela lhe oferecia depois sempre compensava o tempo de espera.
Andou mais um pouco e enfim sentou-se. Retirou o celular do bolso, pensou em enviar mensagem, mas o combinado era nem uma palavra, e isso incluía as escritas. Guardou o aparelho após desligá-lo.
Nem uma palavra, pensou.
Esperou ser atendido e pediu uma cerveja. Quando a trouxeram, encheu o copo, bebericou pensando na mulher que logo viria. Como estaria vestida? E o batom que estaria usando…? Viria de vestido? Salto? Isso fazia o coração dele disparar.
De onde estava, podia ver a porta de entrada do estabelecimento. De quando em quando olhava nessa direção, imaginando-a entrar e olhar ao redor a procura dele.
Bebeu mais da cerveja e, cerca de quinze minutos depois, pediu um caipirinha.
— Com bastante gelo e açúcar. De cachaça, tá bom?
— Já trago — disse a garçonete anotando o pedido, ao que ele concordou com um aceno.
Sempre demoravam a trazer a bebida, mas a mulher, por quem esperava, demorava mais. Por isso, o pedido antecipado como sempre fizera.
Minutos depois, a caipirinha chegou. Ele bebericou para conferir se estava bem doce, e estava. Do jeito predileto dela!
O músico começou sua apresentação. Tocou três músicas e nada de ela chegar. Ficou pensativo, lembrando-se de tudo, das brigas e discussões. Será que ela havia desistido? Por que não dialogaram? Por que não tentou ser compreensivo em vez de se mostrar inseguro e, com isso, só denunciar que ela merecia algo melhor do que ele? Com palavras seria difícil apagar a imagem que ela fizera dele. Era como se ela houvesse tirado uma fotografia dele em um momento ruim e emoldurado e sempre que procurava se lembrar dos dois juntos dava de cara com a fotografia e se recordava de como ele era grosso e agressivo com as palavras quando ficava nervoso.
Sorriu triste e inconformado ao se lembrar das palavras pesadas que dissera a ela e chorou.
O combinado: nem uma palavra! Nada.
Enxugou o rosto e olhou para a rua, o olhar ainda um pouco turvo pelas lágrimas. Ela surgiu na porta. Parou e olhou à procura dele. Ele não fez sinal algum para chamar-lhe a atenção, quis contemplar a presença dela a distância. Instantes depois, os olhares se encontraram. Ela sorriu sem mostrar os dentes. Aproximou-se da mesa. Usava um vestido justo, salto e uma jaquetinha jeans. Estava linda como sempre, e a saudade que sentia dela potencializou-lhe a beleza. Ele levantou-se para recebê-la...
Nem uma palavra, esse era o combinado.
Deram-se as mãos, os olhos se encontraram e fixaram-se por um instante. Um sorriso em ambos os rostos. Ele beijou-lhe a face. Olhou-a nos olhos mais uma vez. Nem uma palavra! Sentaram-se lado a lado. Ela olhou a caipirinha, sorriu mais uma vez. Em seguida, sorveu um pequeno gole no canudinho e espirrou logo em seguida, duas vezes. Espirros curtos e baixos. Olhou para ele e riu. Ele riu também, pois ela sempre espirrava ao beber algo alcoólico.
De olhar em olhar e de sorriso em sorriso procuravam o amor que sentiam um pelo outro, mas sem palavras, pois estas já não podiam dizer nada. Ela fechou os olhos quando o homem tocou-lhe o rosto, e ele quis dizer que a amava, mas o combinado era: nem uma palavra.

                                                                                                                          


7 comentários :

  1. Sabe que adorei seu conto,talvez por já ter sentido na pele o que palavras ditas a quente podem ferir,magoar e fazendo arrefecer miita coisa.Adorei visualizar, os risos, os espirros ,o afagar,o olhar e poder ouvir que a amava, mas o acordo não podia haver palavras, Uma volta ao amor reconquistado ,uma maneira de se poder voltar a sonhar.Adorei

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    1. Às vezes o silêncio vale mais que um texto inteiro. Difícil um escritor dizer isso, mas é fato.

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  2. Lindo texto! As imagens criadas, o enredo, a espera, lembranças e arrependimentos.
    É incrível como não esquecemos certas palavras... sejam as que ouvimos ou que falamos, seja para o bem ou para o mal.
    BIGbeijo,
    Aninha das fadas

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  3. Eu vi mais do que isso,mas gosto de conversar pessoalmente com o escritor. Privilégio é o nome? BIGbeijo

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  4. Como sempre consegue criar em mim aquela expectativa que me prende na história. É um texto triste, mas muito delicado. Adorei!

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    1. Sempre bom saber que o que escrevo causa essas sensações nas pessoas. Isso é o que de fato me motiva a escrever. Obrigado por comentar suas sensações e impressões.

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