A Caixa
Hoje, ao
voltar do trabalho, passei em uma loja de artesanato. Nela comprei uma
estatueta nordestina feita de barro, representando uma fábrica de farinha de
mandioca. Comprei-a pelo ingênuo fato de tê-la achado bonita, ou simplesmente
por achar que ela ficaria ótima na estante de casa.
Como sempre,
passei em frente à casa do Sr. Johnson, um norte-americano veterano de guerra,
radicado no Brasil. Ele estava sentado em sua velha cadeira de balanço, no
jardim de sua casa e, como de costume, tinha em mãos o seu soldadinho de
chumbo, e o segurava como se fosse a coisa mais preciosa de sua vida. Olhei
para essa cena como sempre a olho: é apenas um senhor senil que agora age como
uma criança.
Já na sala de
casa, retirei a estatueta da sacola e coloquei-a na estante. Ficou perfeita!
Pensei na pessoa que a fez. Deve ter dado um trabalho danado: são tantos
detalhes! Enquanto eu apreciava essa escultura, minha empregada cruzou a porta
que comunicava a cozinha com a sala. Avisou-me que já estava de saída. Eu disse
que tudo bem. Ela se aproximou de mim.
— Minha
nossa! — exclamou. — Uma casa de farinha! Eu posso... posso pegar?!
— Claro! —
respondi sem entender direito a atitude dela.
Ela pegou
cuidadosamente a estatueta e a examinou com circunspeção. Logo após, começou a
descrever cada fase do trabalho, a função de cada instrumento, quais os
movimentos que eram feitos em cada etapa, o cansaço, o calor...
— Tá vendo a
posição desse homem aqui? — perguntou ela, apontando para um dos homens na
estatueta.
— Sim, estou
— respondi um tanto desinteressado.
— Como doía
ficar nessa posição — explicou, como se ainda estivesse sentindo a dor. — A
gente tinha que trocar de posição sempre… As pernas formigavam, o corpo inteiro
ficava dolorido… ai, como era difícil!
Logo em
seguida, ela foi embora, e eu fiquei com essa conversa na cabeça.
Mais tarde,
sentado no sofá, saboreando uma boa dose de uísque, olhei mais uma vez aquela
estatueta e, embora eu tentasse, ela ainda continuava sendo, para mim, apenas
uma estatueta, um mero trabalho de um artesão; mas para os olhos e para as
lembranças de minha empregada era muito mais que isso.
Pensando
nisso, saí de casa. Estávamos no horário de verão, e o sol ainda deitava sua
luz amarelada em boa parte da calçada, mas já começava a se recolher. Caminhei
até a frente da casa do Sr. Johnson, e ele ainda estava lá, com o seu
soldadinho nas mãos. Nunca saberei explicar o que senti nesse instante, pois
olhá-lo era como olhar um mundo desconhecido que meus olhos não podiam ler. Limitei-me
a sorrir para ele e resolvi voltar para o meu mundo, para a minha caixa.
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