segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Olhos de Criança


Parafraseando Antoine de Saint-Exupéry, dedico este texto aos adultos, ou às crianças que um dia foram.


Olhos de Criança


                Lembro-me de uma vez o meu pai dizer, enquanto meu irmão e eu assistíamos a um desenho, que ele não conseguia ver nada naquilo que assistíamos.
               Fiquei durante boa parte de minha infância sem entender direito o que aquilo significava. Na verdade, entendi literalmente o que ele dissera, então eu pensava: como ele não vê? Será que a tela da tevê fica em branco, que os adultos não têm olhos para ver as imagens dos desenhos animados? Senti-me um super-herói com uma visão além do alcance. Eu, por ser uma criança, era privilegiado com lentes mágicas, pois podia ver nas coisas a magia que os adultos não viam. A partir daquele dia, toda vez que meu pai passava perto de mim, enquanto eu assistia a um desenho, eu pensava: só eu posso ver.
              Os anos foram passando e continuei assistindo a desenhos, no entanto o tempo diante das cores mágicas, que só meus olhos de criança podiam ver, foi ficando escasso. Fui, também, aos poucos, percebendo em outras programações algo tão interessante quanto os desenhos. Meu tempo era, portanto, divido entre desenhos e não-desenhos, entre ser criança e ser adulto: ser adolescente.
             Comecei a trabalhar e fiquei sem tempo.
           Percebi que não tinha mais as lentes mágicas de antes, pois não podia mais ver os desenhos. O tempo não é mais o mesmo quando passamos a controlá-lo nos ponteiros do relógio. O mundo não é mais o mesmo quando estamos sem as lentes mágicas que nos dão a visão além do alcance. Foi aí que compreendi o que meu pai queria dizer: o mundo não é eternamente a Terra do Nunca.
            Feliz é a criança que tem poderes para ver desenhos, pois há muitas que lhes são tomadas as lentes mágicas antes do tempo, e elas ficam de olhos nus sem poder assistir inocentemente ao mundo mágico da infância.