Chamada
Restrita
O
CELULAR VIBROU. O homem alto e elegante parou de andar
e retirou o aparelho do bolso. No visor marcava chamada restrita. Antes de atender, sorriu de canto de boca.
Mal conseguiu falar alô
e uma voz feminina chorosa gritava desesperada do outro lado da linha.
— Pai, me ajuda, por
favor! — a mulher emendava uma palavra na outra. — Acabei de ser assaltada, me
ajuda!
Houve silêncio do outro
lado. Em seguida, uma voz masculina irritada deu sequência:
— Sua filha está aqui
comigo, senhor, sai de perto de todo mundo agora, se não ela morre!
— Olha…
Nem teve tempo de completar
a frase e foi interrompido.
— Falo sério, senhor!
Falo sério…! Sai agora ou mato sua filha!
O homem elegante
afastou-se para a calçada, calmo, como se nada estivesse acontecendo.
— Pronto. Estou o mais
longe possível de qualquer pessoa.
— Escuta com atenção,
senhor, ela está comigo, e eu quero vinte mil reais, se não vou matar…
— Vinte mil? — a
pergunta saiu leve da boca do homem. — Você quer vinte mil? Acho que disponho
dessa grana?
— Falo sério, caralho!
Quanto o senhor tem? Quanto acha que ela vale?
O homem elegante sorriu
em silêncio.
— Muito bem, estou a
fim de participar dessa brincadeira — disse, ainda sorrindo.
— Não estou brincando!
Eu vou…
— Sei exatamente onde
você está agora — interrompeu, falando de forma calma, encadeando as palavras
de maneira harmoniosa. — Sei até a cor da sua camiseta.
— O quê…? — a voz
vacilou.
— Vermelha. Olhe para o
seu lado.
O homem de camisa
vermelha estava numa praça e olhou para o lado esquerdo.
— Não para o esquerdo, olhe
para o seu lado direito — o homem olhou. — Acabou de passar um senhor, não foi
mesmo? Mas não se preocupe, não sou eu. Estou a alguns quilômetros de você, mas
me dê alguns minutos e vou até aí e me apresento…
— Vou encher a tua cara
de bala, filho da puta! — gritou desesperado.
— Vai mesmo? —
perguntou o homem e riu com sarcasmo.
— O que está
acontecendo? — perguntou a mulher que havia dado início à ligação, olhos
arregalados, a voz estridente. O outro comparsa, que estava ao lado, sentando
no banco da praça mexendo em um notebook,
quis pegar o telefone do colega.
— Não deixe seu colega
pegar o celular de suas mãos, ele já pega muita coisa sua — zombou o homem
elegante.
O homem com o celular
não permitiu que o colega pegasse o aparelho de suas mãos.
— Deixa! — disse
virando o rosto com o aparelho no ouvido. — Eu resolvo isso!
— Desliga isso, cara! —
protestou o homem com o notebook.
— Cala a boca, caralho!
— Está tudo bem
aí? — apenas um fungado do rapaz de
camisa vermelha foi a resposta e, então, o homem elegante prosseguiu: — Sabe a
vadia que você mandou me ligar? Ela até finge bem. Assim como fingiu estar
satisfeita quando você saiu de cima dela ontem à noite após gozar feito um
coelho apressado. Mas a vadia não se satisfez e procurou seu amigo, esse babaca
aí do seu lado, que quer saber o que estou dizendo pra você. Fala pra ele que o
câncer na garganta da mãe dele vai matá-la ainda essa semana.
— Olha, cara, eu…
— Desliga isso, porra!
— protestou a mulher.
— Ouve a gente, mano! —
reforçou o outro, mas ele não lhes deu ouvido e continuou na linha.
— Você foi uma criança
boa — o homem elegante continuou —, mas os constantes abusos de seu padrasto,
ao menos uma vez na semana, têm feito companhia a você todas as noites em variados
pesadelos. Quando eu chegar aí e encontrar você, o que ele fazia com suas
partes íntimas vai parecer uma boa lembrança.
Sentindo uma sensação
de impotência corre-lhe nas entranhas, o homem de vermelho quis dizer algo, mas
quando abriu a boca para proferir a primeira palavra desenhada por sua mente,
foi arremessado contra uma árvore logo à frente. Bateu com extrema força a
cabeça e o peito contra o tronco e caiu na grama mal aparada golfando sangue e tremendo
como se estivesse tomando choque. O estalo das costelas sendo esmagadas dentro
da caixa torácica foi o último som que conseguiu ouvir, feito a sequência de estalos
quando alguém cruza os dedos de uma mão na outra e força as juntas.
Os outros dois quiseram
correr. O homem fechou o notebook e ainda
conseguiu chegar à calçada; a mulher ficou parada, forçando o movimento que
teimava em não sair. Era como se o corpo estivesse todo engessado.
— Por favor…! — gemeu
ela, os braços se abrindo em forma de cruz involuntariamente. Ainda teve tempo
de ver o colega, que fugira, ser puxado por uma força invisível para o centro da
praça, ter o corpo alçado ao ar e voltar em queda livre de cabeça em extrema
velocidade. O barulho da cervical se rompendo fê-la fechar os olhos e gemer de
medo pelo que a aguardava.
Nesse momento, por
alguma força ou magia que ela não saberia explicar, as pessoas passavam pelo
local como se nada estivesse acontecendo. Seus gritos por socorro ecoavam no
espaço e pareciam não atingir nenhum ouvido ao redor.
Ainda com o corpo
paralisado, a mulher viu uma silhueta disforme aparecer diante dela e, no
instante seguinte, seu corpo, ainda em forma de cruz e suspenso ao ar, virou de
cabeça para baixo, e ela foi arremessada na horizontal para diante de um ônibus
que passava em alta velocidade à direta da praça.
Como se um botão
tivesse sido apertado, o impacto do corpo contra o coletivo fez ecoar uma
gritaria ao redor. As pessoas se aglomerando para ver o que havia acontecido àqueles
dois homens e àquela mulher. O homem elegante desligou o celular, colocou-o no
bolso e atravessou a rua, desviando-se dos curiosos.